Sobre “O cão sem plumas” e “Uma faca só lâmina”

Enquanto agentes de revolta, (…) “Ele tinha algo, então, / da estagnação de um louco. /”, tanto “O cão sem plumas” quanto “Uma faca só lâmina”, são um marco na obra cabralina, dado que, ambos personificam seu estilo singular, onde o concreto mescla-se com o abstrato, num jogo intestino.

“O cão sem plumas”, entre outras metáforas, é também o homem-cão desprovido dos adornos da vida, isto é, seus sonhos… Muito embora no embate do rio-lama-homem-mar, não se saiba exatamente em que momento termina a lama e começa o homem, pois, o homem-lama tem como pele o negrume da lama; o rio é negro, o homem é negro, a vida-de-cão é negra!

Contudo, o que almeja é buscar o mar azul, cujo implícito anagrama medo/demo é também a metáfora da lama-cobra, ou mesmo, a moenda-lama que mastiga esse homem-cão-sem-plumas. E é daí que provém o grito-revolto deste. Pois, o homem-rio antes de tudo deve buscar o homem-mar…

(…) “O importante é que a faca/ o seu ardor não perca” – Uma faca só lâmina.
Claro está que “Uma faca só lâmina” é uma faca que não se pode pegar. Todavia, é também uma faca congênita, interna, viva e ativa. O relógio-bala-faca é senão a engrenagem de seu próprio paradoxo. Pois, o principal efeito desta faca poética não seria senão o de provocar catarse?

Afinal, o doloroso do seu aço pretende dispara a bala-revolta e, mesmo que o rio-lama ou a faca-bala-bomba-relógio seja a mãe geradora de mazelas, ela própria será a provocadora do desejo da faca em estimular o alcalino. Assim, como o desejo do rio-lama pelo mar azul.
E é neste ponto que os poemas se convergem; cada qual a sua maneira, fazendo de suas mazelas seus agentes de revolta.

Ora, ela não é apenas uma faca-falta, mas é bem mais uma espada-intestina! Se por um lado, a fome lhe come, por outro, é justamente deste corte doloroso que ela obterá seu mar! Pois é aí que se ajusta a função do seco nestes poemas, que é lógico, só pode ser exercido enquanto fio desembainhado.

Entretanto, ali não há nenhuma dicotomia moralizante, não há bandeiras, pois Cabral jamais é panfletário!!! Sendo assim, o que seu telescópio poético propõe e positiviza é o embate. Logo, um dos principais objetivos destes dois poemas é serem agente de revolta.