BLOG OFICIAL do poeta e letrista. Parceiro de Agenor de Oliveira, Maurício Barros, Mauro Sta Cecília, Moacyr Luz, Nilson Chaves, entre outros. Com músicas interpretadas por Edy Star, Frejat, Moacyr Luz, Nelson Sargento, Ney Matogrosso, Thiago Amud, Viviani Godoy, entre outros. Autor de livros de poemas prefaciados por Antonio Cícero e Waly Salomão. Seus últimos trabalhos foram publicados pela Editora Texto Território.
4 - Crítica / Clipping
Sobre o Poema Sujo
Há muitos anos me deleito com o Poema Sujo, de Ferreira Gullar e, em particular, um aspecto me instiga muito: a problemática do tempo. Para tanto, Gullar dialoga o tempo todo não com o amor sentido, mas com o objeto amado, isto é, a concretude primária das coisas.
Daí utiliza a memória, também, para ratificar que ali o tempo é outro, assim “como uma coisa está em outra”, ou seja, é nas idas e vindas dessa memória que o poema desvincula-se de qualquer conotação mística. “Meu corpo feito de carne e osso”. Ora, é notório que o Poema Sujo rejeita tudo o que não for material. Justamente porque para o jogo do vivido com o não vivido só interessa que “o tempo se torne fenômeno meramente químico”, onde inúmeras tardes caibam dentro de uma tarde; as diversas possibilidades concretas que um corpo habita.
E no limiar dessa memória-alucinação-realidade, cabe assinalar, que o apodrecimento das coisas, além de ser intrínseco é conatural a determinadas delícias e mazelas. Ora, o líquido que escorre do sexo e das bananas traz mais do que despojos dicotômicos entre si, pois, neles, há sem dúvida alguma uma leitura analógica.
Visto que, ali não importa apenas a marca cruel da deterioração, mas a renovação que traz no seu bojo. E é aí que está contida sua maior virilidade, é no relógio-das-coisas que o mel esvai-se, transforma-se e novamente esvai-se (como um pênis?!), possuindo cada objeto-corpo sua própria cosmologia.
Logo, não é à toa nem por acaso que o poema é praticamente todo escrito em letras minúsculas, já que pretende captar a transitoriedade do corpo e dos fatos vividos. Onde a tina da vida ora escorre seus líquidos para o ralo, ora seus líquidos alçam vôo para as nuvens. Sendo assim, é imperativo para a leitura desse poema, atentar para o seu tempo enviesado.
(Rogério Batalha)