Orelha de "Azul", por Alexandre Faria e Oswaldo Martins

Nunca são muitos os motivos de um poeta, como não são os de um ser humano em nossa (in)certa trajetória nesse planeta. A vida, a morte, o amor, e o que aparecer a mais não deixa de ser variação sobre o mesmo. A grandeza de um poeta está em como faz isso. Em Azul, estamos diante de um poeta maior. Rogério Batalha leva ao extremo da sensibilidade lírica variações em torno de uma ideia que talvez tenha sido formulada pela primeira vez na letra do samba (já lá vão mais de 10 anos) “Ilha de ilusão”, em parceria com Kinho: “o amor não precisa de prata/ou néon para luzir/acaso coisa que se preze/já não traz em si/sua própria luz/seus azuis”. Esta pergunta, que na canção é retórica, desdobra-se no livro num delicado e vigoroso estudo sobre a vida e a condição humana, privilegiando os “seus azuis”.

Aparecerão nos poemas, porque a vida não é para quem está de bobeira, os tons mais sombrios da violência, das trevas dentro dos frutos, das ruínas da existência e da criança síria morta numa praia deserta. Mas no conjunto de poemas, a força afirmativa de Azul é daquelas de dar a volta por cima. Neste livro, Batalha retoma e avança sobre as questões que ficaram colocadas no anterior, Exercício de nuvens (2015). Nada impede, por exemplo, que o leitor encare os versos iniciais do poema 6 (“inútil reclamar / se o que se foi é nuvem”) como uma autocitação. O conjunto da obra de Batalha começa a adensar uma rede alegórica, em que nuvens e azul despontam sistematicamente como elementos de significação estável. A morte, o amor, os temas de sempre, que o poeta vai tornando novos e fazendo despertar no leitor sentidos tão escalavrados hoje pelas demandas e urgências vazias dos shoppings cheios. Um dos ardis de Azul é colocar o leitor na beirada do senso trágico, é nos colocar na mão da existência, diante dos “cacos verdes das louças quebradas/ as dobras do silêncio sobre as esquinas passadas/os malfadados beijos” e pintar a tudo de azul. Mas, por favor, não pense que há aqui poesia naïf, ingenuidade polianesca, ou autoajuda barata. Como dito, o poeta é ardiloso.

Ver o seus azuis requer movimento e inquietação do leitor “não como um bicho que voa/não como coisa que flutua/mas como ruína que sonha/e penetra na própria busca”. A ilusão que a linguagem engendra na poesia de Batalha é anti-ilusionista e não dispensa a desilusão, como nesse paradoxo da ruína que sonha, é preciso “exumar a vida”. Essa ainda é a tarefa da poesia, pelo menos da poesia que se arma adequadamente no mundo contemporâneo. Outra arma potente em Azul, é o espírito de celebração. O poeta não está sozinho. Os seus parceiros, nas várias e possíveis acepções do termo, são convocados nas dedicatórias e nas referências, indicando que há outro efetivo e consistente lugar de resistência para a vida: a amizade, condição que, segundo Agamben, no com-sentir da alteridade, alcança um estatuto ontológico e político. Em Azul a poesia é também essa espécie de amor, a amizade.