Lançamento - "Exercício de Nuvens"

Exercício de nuvens traz à tona um poeta significativamente distinto do Rogério Batalha que se apresentou nos livros anteriores. Cidade fundida ou os poemas reunidos em Inventário apontavam para périplos do poeta em contato físico, visceral, com a matéria da vida, os sabores e os odores, os sons, os toques, o gosto e as delícias da existência circunscrita aos cinco sentidos. Eram exercícios do corpo, da matéria, da forma.

O atual trabalho do poeta nos leva a perguntar que formas têm as nuvens. A natureza do exercício poético deste livro nasce dessa questão. Há também um périplo ao longo dos poemas, e o poeta circula, agora, pelo etéreo das formas imprecisas, mutáveis e mutantes. Um defunto assume a voz poética e comanda essa viagem, como na famosa estratégia de Machado de Assis. Ele relativiliza os sentidos imediatos do corpo assim como o dogmatismo de saídas essencialistas facilitadoras. A questão, colocada num dos poemas do conjunto – “assim, não é / dupla dicção de lavras distintas: / a morte e a vida” – é uma espécie de bússola que pode não necessariamente orientar o leitor, mas desnorteá-lo nessa jornada.

O desnorteamento, típico nos livros do poeta, mantém a característica do mutável permanente que constitui o estilo de Batalha e o desafio constante ao leitor. Dá-se pouco em troca de muito, retira-se o acessório para entregar o essencial da vida e da morte, contraponto deste defunto que ora se constrói e ora se desconstrói, para o além do estar físico. Viajantes da pantemporialidade, o leitor e o defunto permanecem e mudam a partir do experimento destas febres irreais que se lançam como as mutucas e os becos de quem convive com a poesia e os mistérios da vida e da morte.

Como nos livros anteriores, os admiráveis efeitos rítmicos, com os quais a poesia de Rogério Batalha vem se afirmando de maneira única, poderão fazer com que o leitor empreenda sua viagem num fôlego só, como numa corrida de explosão; embora o livro não dispense a pausa meditativa dos pensadores, durante a leitura. Exercício de nuvens é um livro escrito desta maneira; ao mesmo tempo em que faz o leitor percorrer a voz do defunto com sofreguidão, não menor a ânsia com que é instado a parar para avaliar as avarias que o defunto-poema produz em seus movimentos mínimos da afirmação paradoxal deste defunto-vida, que constitui as nuvens movediças na animação produzida pelo que é (deveria ser) inerte. O livro, portanto, poderá ser lido numa só tacada, mas obrigará o leitor, a cada movimento do corpo-poema, a levantar a cabeça e contemplar o antitético nada deste morto que fala.